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WRC: Carlos Tavares alerta que é preciso defender o desporto automóvel
26/07/2019 14:22

É um dos homens mais poderosos da industria automóvel mundial, liderando dos destinos do Grupo PSA, é português e gosta de automóveis e de desporto automóvel.

Carlos Tavares foi o obreiro por trás da recuperação do grupo automóvel francês, e tem sido uma das poucas vozes da administração de um construtor que marca presença em ralis do mundial e que tem opinião sobre o campeonato. Para ele, o desporto automóvel não é apenas uma ferramenta da empresa, é também uma paixão, mas alerta para a racionalidade necessária em gerir estas duas vertentes.

O SportMotores.com conversou com Carlos Tavares no início de Junho durante o Vodafone Rali de Portugal. O lisboeta de 60 anos tinha acabado de chegar de Vieira do Minho onde tinha ido assistir à passagem de um troço. "Estamos muito contentes por estar em Portugal, aqui a paixão dos automóveis é uma realidade. Como se sabe, pela Europa fora, o automóvel está a ser gravemente atacado por muitas pessoas que não percebem que é um instrumento de liberdade de movimentos extraordinário, mas aqui sentimos que é uma paixão, um apoio, e o rali tem sido belíssimo", referiu na altura com um entusiasmo evidente no rosto.

Falou da "sua" Citroen Racing e do impacto que teve a chegada de Sebastien Ogier. "Não há qualquer tipo de dúvida de que o Sebastien Ogier trouxe não só a sua ponta de velocidade, mas também a sua maturidade e a sua serenidade. Ele tem uma capacidade muito grande em tirar o máximo do carro sem cometer erros, o que permite à equipa fazer progredir o carro enquanto temos a certeza que ele está sempre no máximo do que pode ser feito", afirmou.

Numa altura em que a competitividade dos Citroen estava, e está, a ser questionada, Tavares falou do que falta evoluir, dizendo até mais do que o próprio Director Desportivo - Pierra Budar: "O carro evoluiu muito a nível de chassis e suspensões, já evoluiu bastante mas ainda não está como deveria ser, acho que temos ainda mais potencial a nível de chassis e geometria de suspensões. Do ponto de vista de motor e aerodinâmica estamos bem. Temos de trabalhar na inércia polar do automóvel que é um bocadinho maior que a inércia polar dos carros concorrentes."

Mas qualquer conversa com um dos poucos homens da indústria automóvel que tem a coragem de questionar o pensamento único actual em relação ao paradigma da electrificação, terá de desaguar no efeito que isto tem no desporto automóvel, e nos ralis em particular. "Qualquer que seja a disciplina desportiva, é indispensável que essa disciplina esteja alinhada com as expectativas da sociedade onde estamos a exprimir esse desporto. Portanto, acho bem que o desporto automóvel vá nessa direcção."

Só que o caminho não é fácil, e terá custos significativos, e esse risco existe também no desporto automóvel. "A sociedade está à espera que a industria automóvel tenha menos emissões e vá no sentido da electrificação, é natural que o desporto automóvel vá nessa direcção. No entanto, a mobilidade também vai aumentar de custo, e isso é um problema para os cidadãos que vão ter de pagar mais caro o facto de serem totalmente livres nos seus movimentos. A evolução para cada vez maior mobilidade é completamente natural e saudável, mas temos também de pensar que não é só essa evolução, é também a capacidade em manter os custos a um nível razoável, porque tal como a mobilidade dos cidadãos, o desporto automóvel só pode sobreviver se os custos forem controlados."

Nos ralis em particular a temática está em cima da mesa, apesar de alguns atrasos na definição da tecnologia a utilizar, um atraso que Carlos Tavares afirma ser "uma questão puramente técnica, se a regulamentação estiver atrasada, obviamente o campeonato não poderá começar a tempo e horas, é uma questão que é da responsabilidade única das federações. Cabe-lhes a elas divulgar os regulamentos num timing que seja consistente com o tempo necessário para que as equipas possam fazer os estudos de engenharia e a fabricações dos automóveis."

Pelo lado do grupo PSA, "estamos presentes no campeonato de boa fé e com toda a paixão necessária para definir o futuro desta disciplina que obviamente nos apaixona, e estamos aqui a dar o nosso contributo com flexibilidade mental e com paixão para que o desporto automóvel, e os ralis em particular, possam continuar a existir."

Carlos Tavares fez mesmo questão de realçar que "o Grupo PSA é um grupo desportista, quer seja pela marca Citroen ou pela marca Peugeot ou até pela DS que está na Fórmula E. Vamos sempre estar no desporto automóvel desde que o rendimento de marketing dessa actividade seja competitivo em relação a outras actividades de marketing."

Contudo, o ênfase é sempre colocado nos custos, já que assume não estar preparados "para deixar inflacionar demasiado os custos, isso é uma regra de ouro na nossa empresa. Estamos preparados para investir no desporto automóvel o que fizer sentido em termos de rendimento e de impacto mediático em termos de percepção da imagem de marca das nossas marcas. Desde que esse rendimento seja um rendimento eficiente, muito bem, se não for eficiente é óbvio que faremos outra coisa."

Mesmo gostando de desporto automóvel e sentando-se com regularidade ao volante de carros de competição para algumas corridas, Carlos Tavares mantém os pés assente na terra em relação a como gerir a paixão e a responsabilidade "Não há da nossa parte possibilidade de se raciocinar unicamente pela paixão. Gosto de relembrar que apesar de em 2018 o Grupo PSA fazer parte do pódio da mais alta rentabilidade da industria automóvel mundial, cinco anos antes estávamos quase em falência, aprendemos com a pele que não se pode descurar esse aspecto. Nunca iremos colocar de parte a eficiência económica do que fazemos."

No final o homem forte do Grupo PSA deixou um aviso para se meditar e até para memória futura: "O desporto automóvel está em concorrência com outros tipos de acções de marketing, como por exemplo publicidade na televisão, publicidade nos jornais, campanhas digitais, salões automóveis, etc. São várias as actividades que estão em competição em termos de rentabilidade de marketing, se o desporto automóvel continuar a ser uma actividade rentável, estaremos aqui. Por isso é que estamos sempre a alertar, e eu em particular, que se somos verdadeiramente, realmente e sinceramente apaixonados, temos todo o interesse em proteger o facto de os custos serem controlados, que é para isto não ir por aí acima e quando a inflação é muito forte acaba sempre por rebentar, como todos nós sabemos."
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